Monday, May 21, 2007

Descanse em Paz

Parei pra pensar outro dia em como vai ser quando eu morrer. Será que vai ser logo, será vou virar uma discípula da Dercy? Se vão acatar do meu desejo de ser cremada ao som de Frank Sinatra e Pavarotti. Se vão chorar muito ou se já vão estar conformados com a minha ida eminente. Se eu mesma vou pedir pra desligarem os aparelhos quando tudo o que me restar for tocar um tango argentino.

Não pretendo, porém, abreviar minha própria vida. Com a atual saúde mental estável, excluo a possibilidade de suicídio. Parte da culpa é mesmo de minha falta de sandice para tanto, a outra metade é da novela A Viagem. O Guilherme Fontes interpretava o suicida que voltava à Terra para atazanar os vivos. Depois precisou sua irmã ir buscá-lo no Vale dos Suicidas. E se não tiver Diná nenhuma pra ir me buscar?

Diz o popular que só não se dá jeito para a morte. Concordo. Para todo o resto é preciso respirar fundo, xingar alguém (pode ser a si mesmo) e ir. Tem que ir. Trabalhar no feriado, buscar filho na balada, lavar louça e ir à depilação. Ou você vai ser demitido, seu filho gastar fortunas em táxi, os pratos e copos da pia vão acabar invadindo a sala e a parte da depilação eu prefiro nem comentar. De todo jeito, vai chegar um momento em que não da mais pra adiar.

Mas e quando você esta tomando banho, aquele frio glacial, ninguém em casa. Fecha a torneira, esfrega o vidro embaçado do vapor tentando localizar a toalha. Abre o box e a porta do armário sob a pia ainda na esperança de terem lhe pregado uma peça, não é possível, não tem motivo para ela não estar aqui!

E não ter toalha pra se enxugar no frio não é como engambelar o papel higiênico depois do xixi na rodoviária. Mulheres vão concordar que não é o ideal, mas é o que se pode fazer na hora. Tanto melhor do que deixar escapar nas calças ou estourar a bexiga. No caso do banho, não tem como se enxugar outra hora.

Quem foi o filho da puta que tirou a toalha daqui? Grita para alguém em vão, cogita se enrolar no tapetinho e até mesmo passar a noite no banheiro, não ia fazer nada mesmo... Quando os dentes começam a ranger, você... Liga o chuveiro outra vez, reproduz quase fielmente a verdadeira london fog e quando a pele dos dedos já está quase descolando e você quase caindo de sono, decide se entregar.

Sai correndo, ensopa o tal tapetinho, escorrega no piso de madeira do corredor e se enrola na toalha como um bebê em posição fetal. Ensaia pulinhos de alegria pelo momento, quase escorrega no chão de novo na hora de voltar, veste o pijama e começa a lidar melhor com o fato caso ele volte a ocorrer.

E a morte é mais ou menos isso, minha gente. Vai ficar aqui fazendo o que? Não pode, tem que esticar as canelas em algum momento. Precisa de coragem pra se entregar, eu sei, mas não adianta adiar, não.

O mundo é um banheiro. No meio do banho quente a Dona Morte te chama. Você disfarça, chora, suspira, xinga ela de filha da puta e vai. Não se sabe se vai ter corredor de madeira nem se você vai escorregar. Só não espere nenhuma toalha felpuda no fim. Eu, por enquanto, não esqueci de levar a minha pro banho.

4 comments:

Anonymous said...

Apocaliptica. Muito bom.
Saludos

Anonymous said...

Excelente tom. Muito bom. O medo são os tropeços... hehehe... mesmo com a toalha, tem gente q escorrega às vezes.

Beijos Silvinha!

Anonymous said...

O Guilherme Fontes é mesmo um filho da puta. Está há 17 anos fazendo um filme que não fica pronto nunca, e quando morre dá trabalho para a irmã Dinah, além de encarnar nas pessoas que passam a falar sussurando e com olhar enviesado. Grande filha da puta mesmo.

Anonymous said...
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