Monday, October 01, 2007

Repórter Esso

Abastecer o carro é uma tarefa ingrata. Pode parecer corriqueiro para o resto dos mortais que possui um automóvel, mas não para mim. Com o pequeno esforço do senhor meu pai, o tanque do carro aparecia, quase que milagrosamente, cheio sempre que preciso. Hoje, mesmo pifiamente assalariada, a missão se virou para mim.

A história começa com o ponteiro esplendoroso, em seu apogeu, e eu feliz, achando que a vida é bonita só porque o carro tem combustível. Quase encaro a Ayrton Senna rumo ao Rio de Janeiro pra comemorar. Antes disso, porém, preciso ir ao trabalho, à academia, à pet shop com o cachorro. Preciso ir à maldita Rua Augusta gastar em cerveja o dinheiro que poderia gastar com gasolina.

E o ponteiro vai descendo, aquela alegria toda vai dando lugar a um desconforto, uma coisa esquisita, quase angústia. Vou aproveitando os momentos de tanque cheio como quem adia a tragédia. Só que sei exatamente o que vai acontecer, sempre soube, não dá pra evitar.

E eu insisto. Em ir pro Alto de Pinheiros, pra Avenida Sumaré ver se o trânsito está mais ameno. E não está. E o ponteiro baixa. Só falto tapar o painel com um pano preto para não ver o que está acontecendo.

Da metade do tanque pra baixo, é o Ladeirão do Morumbi na banguela rumo à decepção. A verdade (a inexorável verdade) está cada vez mais próxima e eu finjo que é com o vizinho, que o tanque do meu carro é eterno, imbatível, que ele nasceu pra ser cheio de gasolina aditivada. Os outros é que não entendem, o carro deles é um Uno velho. O meu é um especial, feito sob medida para mim, ainda nem lançaram.

Quando olho para o painel novamente (e quase 20 dias depois), ela chega. A luz indicando falta de combustível acende. Amarela, me mandando prestar atenção. A qualquer momento eu acho que o carro não vai agüentar e que vai parar no meio da avenida. Eu sei que não vai, mas digo a todos que é pra chamar atenção.

No farol mais improvável, enquanto pondero se paro no posto ou me arrisco, a luz apaga. Ouço uma bateria de escola de samba tocando em homenagem ao suposto milagre. Sei que vou voltar a ver a luz acesa dentro de muito pouco, mas vê-la apagando voluntariamente me faz ter a sensação de que ela nunca mais vai acender e que eu nunca mais vou precisar parar no posto na vida. Que o meu carro, de tão especial, é movido aos trancos da suspensão quando passo em buracos ou me esqueço de reduzir na valeta, e não a derivados do petróleo.

Com o dinheiro na carteira, o tempo disponível para encher o tanque, checar o óleo, calibrar os pneus e até para ver o frentista lavar os vidros e passar aquele rodinho hipnotizante, eu encosto em qualquer posto sem bandeira, olho para o funcionário maltrapilho e peço para ele pôr dez da comum.

Amanhã ou depois eu vou ter que pedir o serviço completo e parar com essa mania de achar que o meu carro é especial, que não pára no meio da avenida. Fico vivendo das migalhas, da alegria e da decepção do acende-apaga da luzinha do painel. Parece fácil sacar o cartão de débito e falar “completa pra mim, por favor”. Mas não é. Pelo menos não para o meu carro tão especial que nem existe.