Thursday, October 26, 2006

A vida como ela é

Arrisco-me a dizer que o 17º é o ano mais longo da vida de um individuo. Aquela necessidade de se livrar da adolescência e suas complicações e aquela ansiedade de fazer logo os dezoito anos e acabar com essa palhaçada de ser chamado de aborrecente.

Todo mundo pensou que a vida acadêmica seria uma mamata, que ninguém encheria mais o seu saco para estudar e que as notas não seriam problema. Ate o bar da faculdade começar a encher cada vez mais cedo, o professor de filosofia mandar os alunos lerem Kant e a primeira DP for descoberta.

Aos 17, as táticas para falsificação do RG para entrar na balada variavam entre a mais tosca e a invejada por estelionatários. Ninguém pode ser barrado em porta de balada por não ser maior de idade, é muito constrangimento. O coitado finge que tem 18 anos e o segurança finge que acredita.

O quesito carro é, sem duvidas, o mais influente na hora de rezar pra apagar as 18 velas o mais rápido possível. Não tem coisa mais desagradável do que pedir carona pra mãe de amigo ou para aquele pobre coitado que já tem carteira de motorista e por conta disso se vê obrigado a buscar e levar todo mundo para todas as regiões da cidade (sem reclamar, afinal, ele já passou por isso). Para evitar dar mais trabalho, junta-se os que moram mais próximos e um acaba dormindo na casa do outro. Se acenderam um fosforo no quarto, ele entra em combustao num piscar de olhos.

Chega o grande dia e o Peugeot 206 com o laço vermelho não esta na garagem da sua casa. Por culpa da famosa Lei de Murphy, na primeira oportunidade de mostrar seu rg original, ninguém pede para vê-lo e você repete no Exame Pratico da auto-escola. A essa altura mais um ou dois amigos já ganharam alvará dos pais para usar o carro da família e arranjar carona nem é mais um aborrecimento tão grande.

Vem chegando a conclusão de que na faculdade também é preciso estudar e que logo, logo vai ser preciso arrumar um emprego. Finalmente com a CNH em mãos, os novos maiores de idade disputam quase no tapa para ver quem vai de carro e, com medo de perdê-la, o motorista não ingere uma gota de álcool sequer. Cada um dorme na sua casa, afinal, estão motorizados, não tem cabimento não deixar o outro em casa.

Mas e a graça de brigar pelo colchão melhor na casa do amigo? De comemorar dentro da balada a pseudo ingenuidade do segurança ou de chegar em casa feliz da vida com a garrafa de vodka que conseguiu comprar na padaria sem a carteira de identidade? Das aventuras (luaus, inclusive) e medos que uma cambada de adolescente viviam, num verdadeiro comboio arruaceiro?

Foi tudo embora no seu aniversario de 18 anos e você nem tinha se dado conta.

Tuesday, October 17, 2006

Eu só corro de ladrão

Dizem por aí – provavelmente a sua avó – que tudo na vida é uma questão de habito e eu, pra variar, vou ter que discordar. A gente se habitua ao que é bom, ao que nos faz felizes e não a andar de ônibus, por exemplo. Anda de ônibus quem precisa e o mesmo me parece ser com exercícios.

A atividade física salvou a vida do obeso quase moribundo, do velho com problema cardíaco, do Thunderbird que na época estava mais pra aspirador do que pra VJ e do Bolinha da 3ª. Série do primário que só queria saber de comer risole de quatro queijos na lanchonete da escola. Hoje esse pessoal deixou de ser sedentário e dá declarações tal qual um dependente químico sob controle. Em suma, encontraram a luz no fim do túnel (bem comprido, de preferência, que é pra queimar mais calorias).

Tem toda a historia da endorfina que o cerebro libera, dos resultados no corpo, da disposição recuperada
(quem nunca subiu uma ladeira pra chegar numa balada e precisou esperar uns 2 minutinhos pra não entrar ofegante?) e, há quem diga, do vício. Sim, vício em corrida! Eu não tive essa sorte.

Não me habituo nem me vicio em nada que me elimine calorias. Eu sou viciada em vasculhar profiles do Orkut, em jogar Freecell, em comer pão de queijo, Ferrero Rocher e Trakinas. Isso ninguém vangloria. Eu até tento, vou à bendita academia quase que religiosamente com o intuito de me viciar qualquer dia mas isso ainda esta longe de acontecer. Reclamo na musculação, ao subir a escada pra sala das esteiras e dos filmes chatos que passam no horário em que estou lá. Já tentei tênis, natação, hidroginástica, squash, body pump, body combat, step, mat pilates, body balance e nada pareceu dar certo. Em breve iniciarei uma nova modalidade:
body rolling (down the street).

Ou eu que sou muito chata ou as pessoas são persuadidas muito facilmente. Fizeram um evento lá mesmo na academia com o seguinte chamariz: CORRIDA DE 12 KM E DEPOIS SHOW DO BARAO VERMELHO. Todo mundo comprando a camiseta, com sorriso de quem tinha ganhado na loteria... Eu seria capaz de correr o triplo disso para NÃO ASSISTIR UM SHOW DO BARAO VERMELHO! É mentira, é claro, mas não tinha uma outra recompensa? Um Celta usado já estava de bom tamanho.

A Nike, no ano passado, também começou com apelos.
“Estou correndo porque..”. Porque tenho pernas. Se não tivesse, rastejaria. Tenha dó, né, pessoal! Este ano a campanha está mais agressiva, fui a um barzinho daqueles já mencionados aqui e encontrei no espelho do banheiro um adesivo muito do grosseiro. “Não adianta nada arrumar o cabelo se o corpo não esta em forma. Nike Corre 10K”. Tomei mais uma pra esquecer, acordei de ressaca e o máximo que consegui fazer foi me escorar até a gaveta de remédios pra dor de cabeça.

Trocando em miúdos, o que a Nike proporciona aos pobres coitados é uma manhã de suadeira consentida com a desculpa da superação de limites e liberação de endorfina... Eu quero a minha endorfina em dinheiro, alguém pode extraí-la via intravenosa? Não contentes, os participantes ainda bebem aquele suco aguado chamado Gatorade, confraternizam-se numa “balada” ao fim do evento e na segunda-feira 70% chega no trabalho por conta das doses cavalares de Dorflex.

Vovó costuma dizer também que aqui se faz, aqui se paga. Meus exames de rotina, pelo menos, ainda não começaram a se manifestar, a desgraça esta acumulada na barriga, ancas e braços (pra ser otimista!). Já diria o glorioso Chico Buarque (viciado em futebol com os amigos, ninguém é perfeito):
Mesmo com toda a fama / com toda a brahma / com toda a cama / com toda a lama / A gente vai levando / a gente vai levando / a gente vai levando / A gente vai levando essa chama.

Sunday, October 01, 2006

O papelao

Eu não sou dada a grandes demonstrações de afetividade, interação com o publico desconhecido, improvisos e espontaneidade desde... desde sempre. Aos três anos, na minha festinha de aniversario a senhora minha mãe me pediu para dar uma risadinha para a foto, do alto do colo de palhaços simpáticos. Visivelmente desconfortável, a mini Silvia Maria esticou o lábio com o dedo indicador, simulou um sorriso e gerou olhares incrédulos da platéia que cantava parabéns.

Foi assim durante anos, passava muda pelos lugares com medo de ser abordada por uma tia de amiguinha mais afetuosa, um transeunte pedindo as horas ou a professora querendo saber o resultado da equação de primeiro grau. Timidez e insegurança o leitor já deve ter diagnosticado, mas hoje estou curada da mudez voluntária, decidi mudar de tática: falo para evitar silêncios sepulcrais.

Antes, porem, dessa transição decisiva em minha vida, passei por um vexame em família. Pouca gente fala no assunto (ainda bem) com medo que eu reaja da mesma maneira. Minha querida avo fazia 70 anos naquele 5 de outubro e organizamos uma festa surpresa na sala do meu modesto apartamento. Não era só um bolinho pra não passar em branco, não. Com copeiras, frutos do mar, queijo brie e vinho branco, a festa exigiu colaboração e paciência da família inteira alem de causar um certo rombo financeiro. Veio gente da Penha, Araraquara, penetras, crianças, diabéticos e alguns que eu duvidava ate que estivessem vivos.

Acontece, caro leitor, que apesar de tentar fingir, eu tenho traços de mimo em minha personalidade de caçula. No dia seguinte ao grande evento, partiria para a famigerada cidade de Porto Seguro, era minha viagem de formatura, pela qual eu estive esperando alguns longos anos e ninguém parecia se importar com isso. Ninguém foi me levar no cabeleireiro, fui comprar Havaianas e Sundown 45 sozinha e também sozinha arrumei minha mala. Não é nada, não é nada... mas foi a primeira vez que isso me aconteceu e eu não estava gostando.

Ainda não sei dizer como foi possível acomodar tanta gente dentro desta casa. Minha avo, muito espirituosa, chorou com a surpresa, o jantar corria dentro do previsto a não ser pelo “animador” que minha mãe contratou sem avisar ninguém. Típico dela, mas ninguém desconfiou, muito menos eu que detesto ocorrências inesperadas. Adentro a sala um sujeito vestido nos moldes do cantor Falcão dizendo que era amante da minha avo (o que não teve tanta graça já que meu avo havia morrido um ano antes) e outras gracinhas que pareciam animar a platéia da 4ª. Idade.

Como me é de habito, fiquei escondida atrás da multidão temendo qualquer tipo de abordagem por parte do comediante de araque. Não preciso nem dizer que foi em vão e no final das contas o homem me puxou pela mão, chamando todas as mulheres da família sabe-Deus pra que. Desvencilhei-me das mãos dele e agradeci o convite mas a massa estava enlouquecida e me empurravam para o centro da sala.

Alem da exposição, me contrariaram e nem deram bola pro meu nervosismo pré-viagem. Some ali algumas tacinhas de vinho e... Silvia Maria teve, vamos dizer, um colapso nervoso, gritou com o cidadão e com quem mais lhe dissesse pra participar da brincadeira e como se não bastasse, começou a chorar compulsivamente. Tudo devidamente registrado em vídeo, pela insolente cunhada que me persegui ate a cozinha enquanto eu soluçava e tentava falar alguma palavra coerente.

Uma meia dúzia de pessoas tentou me acalmar em vão e como a coisa não parecia melhorar em nada, minhas duas amigas presentes tiveram que me tirar do local. Agora era eu, chorando de nervoso, vergonha (chame do que quiser) no hall do meu prédio. O cover do Falcão encerrou sua performance, recebeu seu cheque, foi me pedir desculpas e eu CONTINUAVA CHORANDO, agora com medo de levar bronca da minha mãe.

Passei pela sala escoltada pela mesma (compreensiva, graças a Deus) e fui direto pro meu quarto, onde recebia os quitutes e o suco de maracujá trazidos pela minha prima, que se solidarizou com a minha causa e me ajudou a fechar a mala. Não me perguntem sobre o vídeo, eu não sei do paradeiro dele.

O momento traumático foi uma suplica: não me façam surpresas, não me levem a mostras de arte interativas, a espetáculos do naipe “de la guarda”, não contratem falastrões para “animar” o meu aniversario. NÃO ME SURPREENDAM ou eu posso ter um chilique.