Tuesday, March 25, 2008

Um Ímã

A Amazônia, que apesar de ser insônia, não é o pulmão do mundo (bem alertou seu professor de geografia do segundo colegial), nos trouxe muitas benesses. O urucum, deixando os corajosos visitantes da Bahia com cor de tijolinho baiano graças à avançada tecnologia do Jet-Bronze. Dois banhos caprichados depois e sua cor de lagartixa anêmica está de volta. Tem também o glorioso Guaraná. Em cápsulas para dar aquela ajudinha antes da balada pesada ou em forma Champagne, eternizado pela Antarctica. A famigerada Monsanto vai pra lá nem tão clandestinamente assim para explorar as propriedades medicinais da flora... Mas quem diabos resolveu trazer o açaí pras nossas vidas?

Não me lembro dele nas nossas infâncias, sendo servido em tigelinhas, na praia, como se vê hoje em dia. De uns tempos pra cá, as academias são adornadas pelas faixas promocionais de açaí poderoso, onipotente, idolatrado, salve-salve. Devo dizer que minha curiosidade em experimentar demorou a aparecer. O visual da iguaria não é muito convidativo. Polpa congelada de açaí batida na hora, coberta com uva passa, granola, banana, pó de guaraná... Só faltou o vatapá e o chocolate granulado pra completar a lambança.

Num daqueles arroubos pré-férias de verão, passava alguns pares de horas na academia, e depois de parecer um São Bernardo fazendo cooper no sol, com a lingüinha pra fora, me sugeriram “tomar um açaí” . Animada, fui até o balcão e enquanto esperava ser atendida, passei o olho pelo panfleto. Falando de açaí, é claro. Informação nutricional por porção de 250g. do produto. Cálcio, Carboidrato, Vitamina C, Calorias: 617. Aproximei o olho, afastei o papel, olhei pros lados em busca de algum apoio moral. SEISCENTAS E DEZESSETE CALORIAS? Isso é mais da metade do que eu deveria comer diariamente. Sem contar a caloria da granola, uva passa e do bobó de camarão que eles jogam por cima. É mais negócio enfiar o dedo na tomada pra repor as energias.

Anos depois e o açaí continuava a ‘coqueluche’. Nomeava bares e pontos de encontro pela cidade afora. Confesso que também ia, mas preferia uma cervejinha, e algumas delas depois, resolvi mendigar uma colherada da tigela de um amigo. Encarei aquele purê meio roxo, meio marrom, cheio de elementos-surpresa dentro, me veio a imagem do Tião Galinha, personagem do Osmar Prado em alguma novela, que passava os capítulos imerso no mangue atrás de caranguejos. Dei uma misturada no conteúdo e enfiei a colherada na boca.

Primeiro mordi aqueles seres desconhecidos, depois engoli um pedaço escorregadio de banana e quando dei por mim, estava com uma porção gelada de lama na boca. Lama. Eu nunca comi lama, mas afirmo com propriedade que tem o mesmo gosto de açaí. E com certeza engorda menos. Mesmo com a pouca quantidade ingerida, fiquei com a coloração esquisita na boca, língua e dentes, fiz um bochecho com a cerveja pra me livrar das manchas e do gosto. Tempo depois e ainda me restavam alguns grãozinhos incomodando a gengiva, parecia que tinha voado areia da praia na minha boca.

Fresca, louca, herege, assassina da cultura gastronômica nacional... só não me chamaram de comunista porque atualmente os inimigos da sociedade não são mais os homens de vermelho, são as gorduras trans. E a maconha, claro. Outro par de anos depois e o bendito do açaí não cai de moda. O bar homônimo na Faria Lima, sim, graças a deus! Os vendedores de coco verde nas ruas também aderiram. O Alex Atala, no entanto, já tinha misturado a frutinha no jerimum desidratado e servido com filhote de ariranha albina há muito tempo.

Eu continuo achando que comer açaí faz tanto sentido quanto a letra do Djavan que o homenageia:

Açaí, guardiã
Zum de besouro, um ímã
Branca é a tez da manhã