Wednesday, December 17, 2008

Galeão-Cumbica

O caos aéreo que estragou o passeio (e os negócios) de muita gente no ano passado, na verdade começou há muito tempo, quando resolveram dar a paternidade da aviação ao brasileiro Santos Dumont. Pra não culpar o pobre homem que nem está mais aqui pra se defender, retifico: o caos aéreo começou quando o primeiro vôo saiu destas terras carregando dezenas de descendentes de Peri.

Qualquer cidadão que já tenha passado pela experiência de entrar num vôo (doméstico ou internacional) conseguiu perceber os arroubos de ansiedade e falta de educação nos outros passageiros. Tradução: brasileiro fazendo arruaça. Com pouca vivência desses casos no exterior, continuo afirmando que o problema é mesmo a nacionalidade. Somo aí o novo-riquismo, que se espalha a cada segundo, e a desgraça está feita.

O povo na sala de embarque reclama com a companhia aérea pois não podem aguardar na área vip. "Só para a primeira classe". Entre os pães de queijo superfaturados e crianças sentadas no chão, o que se ouve é um murmurinho sobre a demora. Nada muito complicado de se entender se considerarmos que se trata de um avião, não de um ônibus que passa rápida e sorrateiramente pelo ponto nas ruas.

Por este mesmo motivo, não seria necessário se acotovelar com os passantes e empurrar os funcionários para pegar o primeiro lugar da fila antes mesmo de ouvirem o final do anúncio do vôo vindo da famosa voz anasalada. Mas não. As pessoas agem como se o avião fosse engatar uma primeira marcha e sumir pelos ares com a velocidade de um beija-flor.

Parecem também ignorar o fato de que OS LUGARES SÃO MARCADOS assim que é feito o check-in. Se não estivessem tentando engambelar a funcionária quanto ao excesso de peso das milhares malinhas CVC, teriam prestado atenção nisso, e a uma hora dessas estariam ainda sentados, esperando que o portão de embarque fosse realmente aberto para, então, embarcarem. 

A fila no melhor estilo último dia de apostas na MegaSena acumulada não teria razão para existir, mas a algazarra está feita. Os funcionários vão tentando pôr ordem no galinheiro. A família que tentou despachar as duzentas malas ainda empurra mais uma no carrinho, ignorando a determinação BAGAGEM DE MÃO. 

O bagageiro do avião, obviamente, não é preparado para acomodar uma mala do tamanho de um filhote de rinoceronte, mas o cidadão insiste em contrariar aqueeeeela lei da física e continua esmurrando a sacola pra ver se faz caber. É preciso intervenção da comissária, que manda o homem sentar e enfia a mala embaixo da poltona com dificuldade.

Concordo que é bem entediante ficar ouvindo as recomendações dos procedimentos e acho inclusive, que se precisar chegar no extremo da queda  automática de máscaras de oxigênio, vai todo mundo mandar o procedimento às favas. Salve-se quem puder! No entanto, ficar conversando em altíssimos decibéis enquanto a mocinha de cabelo emplastado de gel fala não é exatamente o que podemos chamar de cortesia. 

Os bancos precisam, sim, estar a 90 graus e não existe razão pela qual a mesinha deva estar abaixada nos primeiros minutos após o embarque. Lá do fundo dá pra ouvir a fulana papeando no celular e a aeromoça (digo, comissária) tentando abordar o adolescente "rebelde" que insiste um continuar com o fone do ipod nos ouvidos, em volume suficiente para estourar seus tímpanos antes da decolagem. 

Eu não sei dizer, mas se é solicitado que o cinto seja afivelado e que assim se mantenha até que o sinal esteja apagado, deve haver um motivo. Levando em conta que manter o cinto afivelado durante 20 minutos não pode ser comparado com empalamento ou algum método de tortura oriundo da Ditadura Militar, não me parece pedir muito que isso seja feito. 

Sei de gente cuja fantasia sexual envolve banheiro de avião, mas à balzaquiana que escolheu encarar Guarulhos-Miami num terninho azul turquesa e calçando salto alto ficou faltando mesmo quem a fizesse companhia. A fulana não sossega na poltrona e vai raspando a busanfa nos outros para conseguir passagem. À parte a inquetação sobre o cardápio, o gelo na coca-cola e o tiozão que resolve pedir vinho numa ponte-aérea que dura 45 minutos, o vôo segue tranquilamente. 

O comandante anuncia a preparação para pouso e agradece a escolha dos passageiros (dependendo do caso, reza um Pai Nosso). A comissária repete toda a via crucis em busca do desavisado que insiste em tentar usar o blackberry.

Mal o avião pára na pista (hoje em dia não basta mais estar em terra), pede-se pro povo se manter sentado, mas já dá pra ouvir o plé-pléc da massa enlouquecida soltando o cinto mesmo com o maldito do aviso aceso! Instantes depois, como numa missa, todo mundo levanta ao mesmo tempo tentando pegar as coisas no bagageiro e vai se formando outra fila de INSS no corredor. Acho que é medo de irem parar no "Aeroporto Terminal Princesa Isabel", vai saber...


Thursday, September 04, 2008

Usucapião

Sou do tempo da locadora de bairro. Saudosa Vídeo Brasil, um sobradinho meio escuro que apertava as fitas VHS nas prateleiras lá pelo início da década passada. Não tão saudosa é a memória de uma das últimas vezes em que estive lá, aos 5 anos de idade, e quase fui seqüestrada, mas isso fica para um outro dia.

Substitutas foram aparecendo ao longo do tempo, cada vez mais perto de casa, mas sempre com a camaradagem do funcionário, que fazia sugestões e vez ou outra até livrava os atrasados da multa na devolução da fita. A seção para 'adultos' ficava separada por uma sugestiva porta de Saloon e era divertido analisar que tipo de adulto entrava lá (geralmente um gordinho com camiseta verde-musgo, chinelo e pouco cabelo).

Alguns anos se passaram e em menos de dois meses de obra foi erguida a Blockbuster do bairro. "As lojas são pré-fabricadas em dry-wall", justificou minha mãe. Bexiga, pirulito, revistinha, Nintendo 64 à disposição pras criancinhas treinarem as novas táticas. Acabou aquela história de esperar devolverem o filme. Na época do lançamento, havia tantas cópias de Seven disponíveis, que se juntassem todas poderiam fazer páreo ao Muro de Berlin. Pacote de 2kg de Ruffles, Pipoca Extra Manteiga Temperada no combo com 8 litros de Coca-Cola por apenas 89,90 e você ainda ganha uma caneca do Titanic!

Confesso que a coisa ficou um pouco impessoal. Não bastava mais dizer que eu era a filha da minha mãe para alugar um filme. Agora tinha que mostrar a carteirinha, confirmar o telefone e, claro, pagar antecipadamente. Os pré-adolescentes contavam as moedas na fila na esperança de sobrar um troquinho pro pacotinho pífio e superfaturado de M&Ms, já que o Confete havia perdido a vez.

Outra década se passou e frente à TV a cabo, Pay-Per-View, afins e o valor bem salgado do aluguel, o reinado da Blockbuster já mostrava uma perna meio manca. O pirulito e a bexiga, porém, continuavam lá. Foi quando desatenta, fui em busca de um DVD, estacionei o carro e notei que a loja tinha sido diminuída quase pela metade e agora era vizinha de uma vistosa Drogasil.

Peraí, isso aqui não é Locadora! A Blockbuster fora invadida pelas Lojas Americanas! Cafeteira, forninho, telefone celular, sutiãs e calcinhas cor de pele caindo dos cabides, um chute no triciclo infantil, aparelhos de dvd AKON, barris de acrílico cuspindo bombons Serenata de Amor.

Uma leve esbarrada com o quadril na caixa de boneca com feição de Sex Shop, travesseiros de pena em promoção e pratos Duralex marrons. Quase junto com o suposto pote de ouro que se encontra no fim do arco-íris e baixando um pouco a cabeça pra não enfiar a testa no ovo de páscoa pendurado no teto, é possível avistar os dvds para aluguel.

A maioria são, obviamente, os blockbusters do cinema, como sempre. Mas ao contrário do que era antes, tentar encontrar qualquer filme lançado há mais de cinco anos é mais improvável do que ir pagar as compras na saída e a caixa não ter bigode.

Usucapiram a Blockbuster. É culpa do MST? Quem eu chamo, o INCRA? Não sei se xingo o José Rainha ou critico a má distribuição dos latifúndios. Será a vingança dos brasileiros contra o domínio do império americano sobre nossas locadoras no passado?

Fato é que, tal como a megacorporação ianque, as Americanas Express estão mudando os hábitos por aqui. "Nunca na história deste país" se viu tanta gente andando pela rua segurando latas de pringles genéricas e pacotes de meias esportivas. No mais, daqui a pouco a Globo reprisa Senhor dos Anéis dublado no Super Cine.

Tuesday, July 22, 2008

Perigo Constante

Sou a primeira a falar "é mulher" quando alguma calamidade acontece no trânsito dessa ou de qualquer outra cidade. Em Estocolmo, onde ocorre um assalto por ano e até as pombas fazem cocô em local demarcado, as mulheres também dirigem mal, pode acreditar.

Parte é culpa da genética. É fato que o cromossomo Y influencia na hora da pilotagem. Seria injusto da minha parte, contudo, fazer como o mestre e (por que não?) poeta Chorão e isentar essa
"porra de sociedade" do caso. Com dois irmãos homens e mais velhos, em certos casos afirmo com tranqüilidade que ninguém tinha me avisado, quando o assunto é volante.

Quando criança, subia meio a contragosto nos carrinhos de batida (ou bate-bate, como preferir) dos parques e ficava parada tomando porrada dos outros, ignorando os estímulos eufóricos do meu pai, do lado de fora
"Acelera, Silvinha, bate neles!". Depois de ficar encurralada tantas vezes é que me disseram que extersando (olha aí outra palavra que ninguém ensina! Até pouco tempo só conhecia o famoso "desvira") o carrinho pra direita ou esquerda, ele dava ré.

Demorei tanto pra saber dessa que já tinha feito uns doze anos e resolvi me aventurar no mundo do kart. Depois do caso da pobre menina que ficou careca quando o cabelo enroscou no motor, só faltei subir no carrinho com touca de banho de tanto medo.
"Direita acelera, esquerda freia, Silvinha", foquei nas sábias instruções do meu pai antes de me deixar no estacionamento do shopping para a tarde de emoções.

Primeira volta, aquela lambança: devem ter precisado chamar reforços pra resgatar tanta mulher entalada no meio dos pneus de proteção lateral. Eu, entalada no meio dos pneus de proteção lateral, claro, comecei a temer por minha posição no grid e ninguém vinha me salvar. No Mario Kart a nuvenzinha cobrava 2 moedas, mas pelo menos era pontual.

Foi quando lembrei da nem tão remota dica. Afundei o pé direito no acelerador e virava o volante com força para a direita. Tentando bravamente desafiar toda e qualquer lei da física, ouvi um grito.
"Cê tá loca, menina? Pára de acelerar!". Não recebi réplica quando contei do carrinho de batida. Ué, ninguém me falou...

Dois testes práticos no Detran depois, fui orgulhosa encher o tanque do carro com meu próprio dinheiro. Gasolina comum, devo admitir.
"Abre o tanque, querida". Quando o frentista viu minha mão se movendo para abrir a porta do carro e a minha cara de tacho, previu o pior e se adiantou "aperta aquele botão ali, ó". Outra vez, meu irmão desceu do carro para inspecionar o serviço e me pediu para abrir o capô. Ultrajada, não me contive: "abre você que está aí fora, ué".

Pode ser que você mulher, leitora assídua do blog argumente que não aprontou esses vexames e que, inclusive, não dirja mal. Pode ser que se identifique. Mas algum dia, infelizmente, irá endossar meu coro do "
ai, desculpa, eu não sabia" quando a coisa aperta. Ninguém fala de carro com mulher e pimba ... dá nisso! Culpa do sistema. Não sei se do câmbio ou do ABS.

Monday, July 07, 2008

Torpedo

Tem sempre quem reclame. Na época em que as fraldas das crianças eram de pano, as mães reclamavam do rebosteio que era pra lavar. Depois de gastar horas em bondes, ônibus velhos e ruas sem asfalto para chegar no almoço da sogra, a reclamação era geral. Quando demorava meses para se receber notícias de algum parente distante, reclamavam.

Hoje que tem até criança feita de plástico, carro que só falta passar cafézinho enquanto espera no farol e o bendito do celular 3G que permite que qualquer um protagonize a cena da Liv Tyler com a mãozinha no monitor chorando pelo Ben Affleck no Armageddon, continuam reclamando.

Argumentam que com essa modernidade toda, as coisas se resumem ao virtual, ninguém se encontra mais, os relacionamentos estão impessoais. Eu, que sou chegadinha numa impessoalidade, destaco - acima até do e-mail, o sms como o grande facilitador da comunicação atual.

O telefone já era, pessoal. Ficar gastando o gogó na frente de todo mundo é besteira. O e-mail ainda não está disponível no bolso de todos com a mesma facilidade de um celular. Ele dá uma tremida, você vê que chegou mensagem, lê se puder, responde se quiser e fim de "papo".

O sms (short message service) serve pro possível futuro casal trocar recadinhos (des) pretensiosos naquela fase de timidez sem tanto constrangimento e também pra marcar o fim do que não aconteceu, no caso de o outro simplesmente ignorar a mensagem. Um número desconhecido me mandou certa vez "amor, você é a coisa mais importante da minha vida". Ciente do óbvio engano, respondi avisando o remetente. Já imaginou escrever uma vida dessas e não receber resposta? Meses de análise. Quilos de chocolate.

Serve pra extorquir dinheiro do povo, que envia freneticamente os 'torpedos' para programas de televisão em busca de prêmios milionários, como foi o caso de minha amiga Manuella. Quis participar da promoção Notícias da Copa do Faustão e ao invés do Gol zero km na garagem, recebia inoportunos updates do que ocorria com a seleção brasileira de hora em hora. "Ronaldo marca três em treino pré-Croácia". Tudo com o fuso-horário da Alemanha, claro.

Outro dia, feliz da vida, abri o telefone ao ouvir o sinal de sms. Sexta à noite, era algum convite à vista. Baixe agora o ringtone do Créu para o seu celular. Mande mensagem para *147 contendo a palavra créu. Aproveite! Cogitei arremessar o telefone contra a parede. Spam no celular já é demais! Tem sempre quem reclame...




Thursday, July 03, 2008

SPTV

Pouco tempo atrás, dizia com ar de sabedoria milenar que o inverno é uma estação abençoada. As pessoas ficam mais elegantes. Isso vale, é claro, para um país como a França, por exemplo, que conhece bem tanto o calor escaldante quanto o frio que cobre as paisagens com neve. Aqui na terrinha a coisa não é bem assim.

Como ninguém está acostumado com a temperatura cada vez mais perto da barriga de uma cobra, na hora do aperto, salve-se quem puder! É calça de veludo cinza com meia-calça preta e bota marrom. Cachecol listrado com jaqueta florida e gorro azul royal. Luva vermelha, casaco de nylon amarelo e fuseau bege. Depois de algumas horas sacodindo no ônibus, o povo vai perdendo as peças como uma cebola descascada.

Prevenida que sou, há algumas semana vi na previsão a temperatura máxima 16 graus e vesti meu trenchcoat preto rumo ao trabalho. Fui andando pela avenida Paulista com a ilusão e a fleuma de quem apertava passos por Manhattan. Mãos nos bolsos, ombros tensionados e o cabelo esvoaçante. Torcia para encontrar a Ananda Apple em alguma esquina e protagonizar as famosas reportagens do SPTV. O
frio deste início de semana veio para castigar o paulistano. Sorte de quem se preveniu...

Todo santo dia repito o mesmo mantra quando o despertador toca: hoje eu não vou. É sério. Nunca faltei, hoje não vai dar mesmo. Atraso alguns minutos mas o resultado é que eu sempre vou. O mesmo não acontece com a academia, infelizmente. Sempre que posso, cabulo. Podem me oferecer vida eterna, mas trocar cobertor por esteira é coisa de gente doente.

Uma vez sentada de frente pro computador, tentava alcançar o mouse e a manga pesada do casaco cansava meu braço. Sem sistema de aquecimento, óbvio, o escritório estava pouco menos frio que as ruas. Andava pelas baias do escritório com a leveza do Papai Noel distribuindo presentes em dezembro.

Atire o primeiro Dove quem nunca cogitou seriamente postergar o banho por causa do frio. Não estou endossando os franceses, vejam bem. Só não é fácil se despir frente à frente fria que chegou por aqui. Qualquer dia contrato um capanga com uma HK 47 em mãos pra me “incentivar”: chuveiro, madame. Agora.

Por preguiça, deixei o verão passar e não escrevi nada falando mal do suadouro da gente fedida, do espírito libertino que as domina nem da Ananda Apple e suas imagens do povo lambuzado de picolé:
O paulistano faz o que pode para amenizar o calor, mas ele não dá trégua. Confira agora a previsão do tempo...

Tuesday, April 29, 2008

A Borracha

Com a bolsa grande o suficiente para comportar uma ninhada de câes malteses, deixo a minha poodle senil em casa e levo dentro dela o crachá, os cartões e um par de tênis pra me prevenir da incrível desgraça de se estragar um sapato novo. A distância que percorro é pouca e a diferença entre a Avenida Paulista e Cabul depois de um bombardeio, também.

Quanto mais ouço o barulho das britadeiras, mais aumento o volume da música. Quanto mais gente me esbarra no braço, mais idéias me vêm na cabeça. Quanto mais poças no chão, mais vontade de andar. Quanto mais fico quieta, mais quero falar. Quanto mais passada a hora, mais vontade de ficar acordada.

The more I try the eraser
The more that you appear

http://www.youtube.com/watch?v=YqPJHmnyCxU&feature=related

Tuesday, March 25, 2008

Um Ímã

A Amazônia, que apesar de ser insônia, não é o pulmão do mundo (bem alertou seu professor de geografia do segundo colegial), nos trouxe muitas benesses. O urucum, deixando os corajosos visitantes da Bahia com cor de tijolinho baiano graças à avançada tecnologia do Jet-Bronze. Dois banhos caprichados depois e sua cor de lagartixa anêmica está de volta. Tem também o glorioso Guaraná. Em cápsulas para dar aquela ajudinha antes da balada pesada ou em forma Champagne, eternizado pela Antarctica. A famigerada Monsanto vai pra lá nem tão clandestinamente assim para explorar as propriedades medicinais da flora... Mas quem diabos resolveu trazer o açaí pras nossas vidas?

Não me lembro dele nas nossas infâncias, sendo servido em tigelinhas, na praia, como se vê hoje em dia. De uns tempos pra cá, as academias são adornadas pelas faixas promocionais de açaí poderoso, onipotente, idolatrado, salve-salve. Devo dizer que minha curiosidade em experimentar demorou a aparecer. O visual da iguaria não é muito convidativo. Polpa congelada de açaí batida na hora, coberta com uva passa, granola, banana, pó de guaraná... Só faltou o vatapá e o chocolate granulado pra completar a lambança.

Num daqueles arroubos pré-férias de verão, passava alguns pares de horas na academia, e depois de parecer um São Bernardo fazendo cooper no sol, com a lingüinha pra fora, me sugeriram “tomar um açaí” . Animada, fui até o balcão e enquanto esperava ser atendida, passei o olho pelo panfleto. Falando de açaí, é claro. Informação nutricional por porção de 250g. do produto. Cálcio, Carboidrato, Vitamina C, Calorias: 617. Aproximei o olho, afastei o papel, olhei pros lados em busca de algum apoio moral. SEISCENTAS E DEZESSETE CALORIAS? Isso é mais da metade do que eu deveria comer diariamente. Sem contar a caloria da granola, uva passa e do bobó de camarão que eles jogam por cima. É mais negócio enfiar o dedo na tomada pra repor as energias.

Anos depois e o açaí continuava a ‘coqueluche’. Nomeava bares e pontos de encontro pela cidade afora. Confesso que também ia, mas preferia uma cervejinha, e algumas delas depois, resolvi mendigar uma colherada da tigela de um amigo. Encarei aquele purê meio roxo, meio marrom, cheio de elementos-surpresa dentro, me veio a imagem do Tião Galinha, personagem do Osmar Prado em alguma novela, que passava os capítulos imerso no mangue atrás de caranguejos. Dei uma misturada no conteúdo e enfiei a colherada na boca.

Primeiro mordi aqueles seres desconhecidos, depois engoli um pedaço escorregadio de banana e quando dei por mim, estava com uma porção gelada de lama na boca. Lama. Eu nunca comi lama, mas afirmo com propriedade que tem o mesmo gosto de açaí. E com certeza engorda menos. Mesmo com a pouca quantidade ingerida, fiquei com a coloração esquisita na boca, língua e dentes, fiz um bochecho com a cerveja pra me livrar das manchas e do gosto. Tempo depois e ainda me restavam alguns grãozinhos incomodando a gengiva, parecia que tinha voado areia da praia na minha boca.

Fresca, louca, herege, assassina da cultura gastronômica nacional... só não me chamaram de comunista porque atualmente os inimigos da sociedade não são mais os homens de vermelho, são as gorduras trans. E a maconha, claro. Outro par de anos depois e o bendito do açaí não cai de moda. O bar homônimo na Faria Lima, sim, graças a deus! Os vendedores de coco verde nas ruas também aderiram. O Alex Atala, no entanto, já tinha misturado a frutinha no jerimum desidratado e servido com filhote de ariranha albina há muito tempo.

Eu continuo achando que comer açaí faz tanto sentido quanto a letra do Djavan que o homenageia:

Açaí, guardiã
Zum de besouro, um ímã
Branca é a tez da manhã

Tuesday, January 29, 2008

Quando a água bate na bunda (ou no tornozelo)

Logo abaixo discorri sobre as maravilhas da chuva, me opus ao uso de guarda-chuva e falei mal de quem não gosta dos temporais. Uma verdadeira libertina da metrópole. Isso, é claro, até acordar atrasada nesta terça-feira, abrir a janela e não conseguir enxergar o prédio da frente tamanho o pé d’água. Chequei novamente se tinha colocado as lentes de contato. É isso mesmo, está caindo o mundo.

Final de janeiro e no lugar da saia e óculos escuro, pus a bota de cano alto e a jaqueta. Olhei assim, meio de lado – igual na música do RPM – pro guarda-chuva dentro do armário. Não era meu, evidente (Vitor, me explico melhor depois). Resolvi ter a prudência de carregá-lo comigo. A umidade do ar levou embora o efeito dos meus preciosos minutos dando o acabamento com chapinha no meu cabelo. Silvinha, penteia o cabelo, minha filha! Eu não, mãe, vai ficar ruim de qualquer jeito.

Em São Paulo e em boa parte do mundo, imagino, bastou um cuspe no asfalto para o transito parar. Hoje, a menos que São Pedro tenha organizado um campeonato de cusparadas a distância com seus conterrâneos lá do céu, a verdadeira forma líquida de H20, somada aos poluentes da atmosfera, causou o esperado. Depois de meia hora no carro quase parado, o conformismo: ah, hoje é dia em que todo mundo chega atrasado.

Ao sair do carro, abro o guarda-chuva. Xadrez, imponente. Não fossem as botas, seria facilmente infectada por leptospirose das poças da Avenida Paulista. Se fosse bebendo cerveja num iate, igual o pai da Daniela Sarahyba, vá lá, mas morrer por causa de xixi de rato em dia de chuva é muita humilhação.

Aperto o passo e a chuva também aperta. Agora venta e eu tento equilibrar com a mão esquerda o peso daquele verdadeiro guarda-sol de resort da Bahia. Quase dei carona pra três pessoas tamanho o espaço 'interno' do aparato.

Nos poucos quarteirões que andei, concluí que eu fui uma das únicas que acordou e conseguiu ver que a cidade estava se esvaindo em água. Se não isso, como explicar o porquê de as mulheres calçarem sandálias num dia como hoje? Hoje, inclusive, eu perdoaria aquelas que usam as famosas botas de biscatrance, pata de bode, também conhecida como a praga urbana. Mas não. A mulherada ia tentando pular as poças com os dedos de fora. Imagino a sensação de passar o dia inteiro com o pé úmido. Haja frieira!

O assunto no escritório é o dilúvio. As pessoas competem veladamente pelo título da maior demora pra chegar ao trabalho. Eu fico atenta à janela, com receio e que Noé e sua arca passem por aqui e me esqueçam. Enquanto ele não vem, acesso o Climatempo, na esperança de que nos próximos dias a chuva seja apenas de confete e serpentina.