Sunday, April 08, 2007

Any Given Sunday

Abriu primeiro o olho esquerdo com medo de ver o que não queria. Olhou as paredes brancas do quarto, coçou o direito e reconheceu a estampa da fronha apesar das manchas da maquiagem. Tinha esquecido de fechar as cortinas e a claridade, impiedosa, invadiu o cômodo por volta das 3 da tarde. Tentou se espreguiçar, mas logo pôs as duas mãos na região das têmporas, que denunciavam o exagero etílico.

Depois de esforço sobre-humano foi se levantando, a bexiga a ponto de estourar. Com um pé chutou um copo vazio; o outro espetou no salto do sapato largado no meio do caminho do banheiro. Onde estará o outro? Fingiu se preocupar. Constatou que tinha conseguido tirar apenas a calca jeans antes de dormir e os botões da blusa preta haviam deixado marcas na pele. Nada comparado à mancha roxa esverdeada que enfeitava a canela e o ralado avermelhado nos joelhos.

Ainda desnorteada, saiu pela casa em busca de alguma explicação ou indício de habitantes, mas nada encontrou. Voltou ao quarto e sob a cama viu sua bolsa contendo o celular sem bateria, o rímel e a carteira de habilitação quase rasgando. Meu deus, será que eu voltei dirigindo? Achou também 3 reais amassados dentro de um pequeno zíper. Sem cigarro eu não fico, comemorou.

Estava se sentindo o próprio cinzeiro, com as roupas e o cabelo exalando aquele odor característico e àquela altura, nauseante. Sentou outra vez nos lençóis amarfanhados juntando energias. Conseguiu ligar o chuveiro e enquanto a água esquentava, resolveu abrir a torneira da pia e matar a sede ali mesmo; subir e descer escadas seria fatal naquela situação.

Descabelada, escovou os dentes tentando se livrar do gosto de corrimão que se instalara dentro da boca, em vão. A pele e o estômago expeliam cheiro de álcool 98%, dava pra acender uma churrasqueira apenas com uma baforada. Passou xampu 3 vezes e nada removia o alcatrão, a nicotina e os nos do seu cabelo. Devo ter imitado a Joelma do Calypso pra ficar com essa juba, não é possível. Mais tarde ficaria sabendo que a suspeita procedia.

Enrolou-se no roupão e enquanto o cabelo pingava e ensopava o tapete do banheiro, carregou o celular e leu, na caixa de saída, com a testa franzida, algumas mensagens de texto confusas, destinadas à única pessoa para quem não deveria ter mandado nada. Muito menos as 5:04 da manhã. Fazer o que? Conformou-se. Foi em busca de explicações sobre a noite anterior. Apesar do horário, ninguém estava acordado para dissolver o mistério, até que na última ligação teve sucesso.

Sim, a mensagem fora enviada indevidamente, porém o mais importante: não tinha voltado de carro. Prudentemente, pois sequer tinha ido de carro por falta de condições motoras e psíquicas. Isso explica o joelho e a canela... rolei mesmo a escada do prédio, é?, Perguntou incrédula a amiga. Seu estômago também não estava lá essas coisas naquela tarde. Escorou-se nas paredes para chegar ao armário de remédios e ingeriu um verdadeiro coquetel medicamentoso. Plasil pro enjôo, Neosaldina pra dor de cabeça, Epocler pra azia e um Pasalix para se acalmar do arrependimento do sms.

Uma solitária lata de cerveja, água gelada e uma cebola embrulhada em filme plástico compunham o triste cenário de sua geladeira. No congelador, forminhas de gelo vazias. Por sorte a concentração antes da noitada não tinha sido em sua casa ou o pandemônio ia estar elevado ao cubo. Abaixou-se para pegar o jornal na porta e a pressão baixou, fazendo-a ser vista pelo vizinho, naquele estado, no hall dos apartamentos.


Tentou ler algumas linhas, mas ainda não tinha dado tempo de sentir os efeitos da ciência farmacêutica. Encontrou o telefone sem fio debaixo da almofada do sofá, quis pedir comida em casa e só então pensou nos 3 reais restantes. Não se recordava da ultima vez que tinha posto algo sólido goela abaixo. Se não quisesse morrer de fome, teria de pegar o carro e passar o cartão de credito com limite já estourando.

Sem ainda conseguir pentear o cabelo, fez um rabo no alto da cabeça, tirou finalmente os brincos que insistia em usar apesar da alergia e fez não ter visto a maquiagem borrada escorrida, quase alcançando as bochechas. Inchada como um baiacu por causa do álcool, vestiu a calça mais larga e saiu com a feição digna de João Ubaldo Ribeiro nos tempos magnos de bebedeiras.

No restaurante, encontrou mais dois ou três amigos no mesmo estado que ela e tomou logo uma água e uma coca light bem gelada pra ver se melhorava. Após descobertas não tão boas a respeito das pessoas com quem tinham feito “amizade” na noite anterior, a situação de todos já não estava mais tão deprimente. Tanto que não dispensaram a porção de batatinha frita, o sanduíche com pastrami e tomate seco... Nem muito menos a sagrada cervejinha do final de domingo.

2 comments:

Anonymous said...

As your hangover unfolds well the questions will arrive
Why do I feel like death just for having a good time

Fernando said...

Dèjá vu

mto, mas mto bom mesmo.

bjos