Sunday, April 22, 2007

Preciso me encontrar

Passei por um longo período da vida convicta de que haviam, de fato, trocado o leite da minha mamadeira por limonada suíça sem açúcar, tanto era o meu azedume. Hoje imagino ter superado a fase. Continuo não amando a vida, nosso relacionamento é complicado, mas já consigo encontrar beleza nas tais pequenas coisas da vida.

Não necessariamente ver o sol nascendo, que pra mim significa mais que exagerei (ou não) na balada; tampouco no sorriso de crianças, de quem eu continuo não gostando, nem no desabrochar de uma flor – já viram quanto ta custando ver uma orquídea florescer, companheiro?

Falo daquela sensação boa ao ter que pedir um número menor de calca pra vendedora da loja e de ver o papelzinho do redeshop saindo tranquilamente da maquina. Transação OK.

Pequenas coisas como ouvir o barulhinho do pão quente pulando da torradeira ou encontrar o elevador parado no térreo justo quando você esta chegando em casa apertado pra fazer xixi. É virar amiga do ex.

É passar a noite dançando até a perna doer e escutar aquela música inteirinha, sem nenhum infeliz vindo de incomodar. É conseguir dar risada depois de rolar uma escada na frente da multidão mesmo tendo ficado com a canela roxa igual zagueiro de time de futsal.

Ouvir a latinha de cerveja abrindo no final da sexta-feira ensolarada, indicando que o fim-de-semana finalmente chegou faz bem pros ouvidos. Bem como a professora dizendo “nos vemos ano que vem” no último dia de aula.

Legal mesmo é não ligar de perder aposta besta, encontrar vaga no shopping em pleno 23/12. E não precisar trocar o presente que ganhou da sua tia no natal. É cantar parabéns pro amigo sem ter a corja de imbecis gritando “é pica, é pica”. Bonito mesmo é passar o sábado dando risada mesmo sabendo que no domingo o jogo inverte.

Tuesday, April 17, 2007

Formandos 2007

A formanda (que podemos muito bem chamar de Fernanda porque rima e é um nome comum) vestia azul royal. Virou uma tradição nos bailes de formatura. Ultimamente a cor reina absoluta entre formandas, suas mães e as convidadas. Pouco importa se ela não favorece nem a Heidi Klum, o que vale mesmo é ter destaque na festa.

Claro, o pai começou a pagar as parcelas há mais de um ano, a pressão é enorme, como diria a cantora Maria Rita ao ser comparada à mãe. Formatura da FAFUP (Faculdade de Funilaria e Pintura), mais de 500 pessoas. Os ternos de microfibra imperavam entre os homens e o ar condicionado funcionava com a eficiência de Rubens Barrichelo. Não houve lencinho que bastasse pra enxugar as testas brilhantes.

As famílias iam se acomodando nas mesas e a banda ia tocando as músicas mais tranqüilas. Frank Sinatra não ia gostar da releitura de sua celebre New York, New York, mas quem liga pra isso? Os garçons não paravam com as bandejas e as bolinhas de queijo faziam um tremendo sucesso. Menos pra tia Odete, que derrubou uma e ficou com a mancha de óleo na saia “salmon”.

Os salgadinhos só não perdiam pra popularidade do whiskey meia-boca, que descia freneticamente pelas goelas dos convidados do Junior, outro animado formando. Ele conseguiu juntar o pessoal da rua, do serviço e todos os 4 primos quase da mesma idade. Seus pais não se agüentavam de orgulho e também fizeram questão de convidar quase toda a vizinhança.

Um verdadeiro paraíso. Salão bem decorado com flores artificiais, mas ninguém diz e velas brancas. As toalhas das mesas num tom bonito de vinho – bordô, corrigiu a outra. Cerveja gelada e muito coquetel de pêssego pras senhoras de meia-idade e meia-calça bege que não podiam ficar bêbadas, imagina o que não iam sair falando.

Os penteados faziam a linha dos coques no alto da cabeça e meio-rabos. Deu pra perceber que o babyliss dos salões tinha trabalhado duro naquela tarde. Cachinhos enfeitavam suas testas. A maquiagem, segundo tinham lido, tinha que combinar com a cor do vestido. No maximo um ton sur ton, explicou a maquiadora. Todas seguiram a tendência, formando um verdadeiro arco-íris de sombra para os olhos.

A banda já tocava sucessos de forro, como a banda Rastapé e os casaizinhos dançavam animados. A pista exalava calor humano. Quando menos se esperava, dançarinas inspiradas na eterna Carla Perez dançavam os novos hits do axé de Salvador, não houve quem tivesse ficado sentado – a não ser pela tia Odete que continuava enfezada com a mancha. Começaram a se perguntar se o coquetel de pêssego era mesmo sem álcool, dada a alegria da mulherada.

Guto, primo do Junior, tinha dezesseis anos e pouca habilidade na arte da conquista. Só que ali, sob efeito da cana, viu que a coisa podia ser fácil. Puxou uma pelo braço. Vestido azul royal, 34 anos nas costas e 2 cesarianas na barriga, se sentiu lisonjeada, afinal, ainda estava em plena forma. A mãe do rapaz, apesar do pileque, não pareceu aprovar o novo par. Já o pai ofereceu dinheiro pro motel. Não, pai, motel ainda não, ela é moça de bem.

As barras dos vestidos arrastavam no chão sujo de fim de festa. O cenário não era muito diferente do que se vê por ai: gente descalça dançando, bêbados brotando do chão, Britney Spears tocando para os últimos guerreiros e casais se desfazendo para irem embora. Vendo a Tia Odete na mesma posição há horas, desconfiavam que se tratava de um manequim. Apertaram os 7 últimos sobreviventes na Quantum vinho do tio Waltinho e voltaram pra casa de alma lavada.

Friday, April 13, 2007

Vou ver o mundo girar

Dizem os conformados, os otimistas e principalmente os despeitados que o mundo dá voltas. Algo como “depois da tempestade vem a bonança” ou coisa parecida. Achava eu que, a não ser pelo reveillon, o mundo girava porcaria nenhuma. Principalmente por causa do infeliz do timing, nunca me dei ao luxo de ficar esperando ser recompensada por algum infortúnio do passado. Não aconteceu, azar o meu.

Sem exageros, foi uma década sem ouvir falar de você nem dos seus amigos. Lembro das tardes de verão que passava na piscina, das suas palavras tão oportunas, tão cheias de sentido. Marcava presença onde quer que aparecesse. E como aparecia! Festas de todas as idades, se dava bem com gente de qualquer idade. A aparência dava margem para dúvidas. O visual exótico dividia a mulherada, a mim inclusive. Só que a essa altura eu nem estava ligando para isso, eu só queria que você viesse.

Alguns me mandavam esquecer, como sempre. E eu relutava, como sempre. Não sei de onde tiro essa esperança. Fato é que o tempo foi passando e eu ia falando menos de você, pouca gente se lembrava disso depois que você deu uma sumida. Vira e mexe aparecia, só pra me fazer lembrar de tudo aquilo que eu sentia e insistia em dizer aos outros que não sentia. Parecia de propósito. E continuava esperando.

Às vezes tinha alguma noticia sua e o coração batia mais forte: será que agora ele aparece? Então baixava as expectativas de novo. Arranjei outros nesse percurso. Melhores, inclusive, você nem imagina. Tive que espera-los por bem menos tempo do que você e esses sim vieram - por conta própria, não por causa dessa historia de que o mundo gira. E agora sim eu tenho motivos pra esperar, afinal, diferentemente de você, eles vieram. As pessoas tinham razão, eu precisava te esquecer. E foi o que eu fiz.

Não por força de vontade, acho que por obra do acaso. Eu sabia que não dava mais pra continuar com isso e quando eu te ouvia, não sentia mais nada, não dava nem mais um sorrisinho saudoso ou com um fundo de esperança. Aí eu soube que estava livre de você pra sempre. Que se eu quisesse, tinha alvará pra repetir a dose com aqueles outros que apareceram. E você nem tem do que reclamar.

Estava eu, respirando novos ares, te achando um traste, sem nem querer ouvir falar daqueles seus amigos, e você diz novamente que vem. E dei um daqueles sorrisos que me eram proibidos sem que ninguém visse. Era provável que desse o cano de novo, mas trouxa que sou, alimentei a hipótese. Mesmo aqueles que me falavam pra desistir de você estavam mexidos com a possibilidade.

Ao contrário do que imaginei que fosse fazer quando te encontrasse, saí de casa apressada e não quis nem saber o que estava vestindo. Eu não me importava mais, lembra? Pouco antes de você fazer sua aguardada aparição, caiu uma chuva forte e constante durante uns 20 minutos e você ainda se atrasou! O suficiente pra me deixar com frio e com raiva de você, mas não liguei pro meu cabelo molhado. Não só eu, aliás. Será que você tem consciência de que faz isso com as pessoas ou só se faz de pazzo?

E você estava ali, a alguns metros de distancia, onde eu nunca achei que fosse estar. Esquisito como sempre, agindo como sempre. Entretanto, eu não parecia ligar. Eu não deixei você mexer comigo como fazia antes. Começou simpático pra ver se me cativava de volta, fez aquelas piadinhas que alguns não entenderam – mas eu entendia, como nos velhos tempos. Não adiantou. Nem o romantismo, nem o inesperado.

Não adiantou ficar esperando. Quando o mundo finalmente girou e você quis finalmente aparecer, eu já não queria mais. É essa a recompensa do preterido, do despeitado, do vingativo. É poder dizer pra si mesmo (e pra si mesmo ninguém consegue mentir) que não rola mais, que já não dá mais tempo. Que eu fui uma puta de uma imbecil em ficar te esperando achando que você também estava ansioso pra vir. Pode até ser que estivesse, mas quando veio já era tarde demais.


E quanto a isso, Steven Tyler, ninguém pode fazer nada. A menos que a gente chame o Superman pra girar o mundo pro outro lado para voltarmos no tempo. Do contrario, eu poderei dizer tranquilamente que eu não precisava ter ido ao show do Aerosmith ontem. Sinto muito.

Thursday, April 12, 2007

Ma ooooeeeeee

Gostaria de aproveitar e fazer um agradecimento especial aos leitores da Lapa, zona oeste de Sao Paulo. Das ultimas 100 pessoas que passaram por aqui, 33 eram da Lapa e suas redondezas!

Nao sei bem como o site meter conseguiu determinar o local com tanta precisao, mas de qualquer forma, um beijo pra caravana da Lapa. Quando tivermos dinheiro, arremessaremos avioezinhos de dinheiro pra voces.

Wednesday, April 11, 2007

Hamlet

Dona Mamãe, num súbito de criatividade, copiou Dona Vovó e me deu o nome de sua irmã: Silvia Maria. Sem acento. É errado, já me disseram – inclusive, na 5ª. serie, minha professora de gramática só parou de me descontar um décimo nas provas quando levei meu RG provando que o erro não era meu. Com duas Silvia Maria na família, a confusão eminente teve uma solução óbvia. Eu virei a Silvinha.

Quando voltávamos para casa de perua escolar, falavam: Caio, João Paulo e Silvinha Piccolo e então sabíamos que era hora de pegar a lancheira e saltar do busão. Meus amiguinhos me chamavam da mesma forma, e mesmo tendo 3 anos de idade e sendo todos eles “inhos” de tamanho, eu não me referia a ninguém como Luisinha, Rodriguinho ou Camilinha. A diminuta sempre fui eu.

Na natação, era a menor da turma. Aos 9 anos dividia a raia com um pirulão de 16 e 1,75m, “Silvinha, você nada com o Ricardo”. Cada braçada de borboleta dele era um pescotapa em mim. No inglês, a japinha um pouco passada da adolescência que me dava aula ia conforme os outros. Mais ou menos na mesma época, finalmente, conheci uma Paulinha. Que na verdade é Paulinha porque tinha outra Paula (a Paulona) na mesma turma, ninguém queria confundir. Eu, não. Nunca conheci outra Silvia da mesma faixa-etária do que eu.

E ai que mesmo sendo a única Silvinha, eu nunca soube direito quem eu era. Os novos professores (e não mais as “tias”) me chamavam de Silvia. E punham o acento. Os novos amigos também. E não punham o acento. Os velhos amigos me chamavam de Silvinha e eu me tornei as duas coisas. A Silvia e a Silvinha. Silvia Maria eu nunca fui nem nunca vou ser, sinto muito.

Então, quando ligam na minha casa e perguntam com quem estão falando, eu fico em duvida. Certa vez minha prima me fez a pergunta e eu sem reconhecer a voz, respondi “Silvia”, cheia de formalidade. Já pro marceneiro querendo passar o orcamento, disse que era a Silvinha e o homem meio desconcertado falou “então, Silvinha, avisa o sr. Luiz que vai custar tanto.” É uma seriíssima crise de identidade.

Maria (da Gloria), mesmo trabalhando aqui em casa há anos, ao receber a ligação da farmácia de manipulação com os remédios para a Silvia, achou tudo muito estranho. Silvia? Aqui não tem nenhuma Silvia. E passou o numero da minha tia, que apesar de ser Silvia não tinha encomendado remédio nenhum.

Meu nome é de velha eu sei, como já disse ai em cima, nunca conheci nenhuma Silvia com menos de 35 anos. Mas e quando eu ficar velha, decrépita, da espessura de um barril de melaço do Pica-Pau, as pessoas vão continuar a me chamar de Silvinha mesmo sendo velha e gorda? Ou será que me tornarei a Dona Silvinha? Ou finalmente Silvia?

Sunday, April 08, 2007

Any Given Sunday

Abriu primeiro o olho esquerdo com medo de ver o que não queria. Olhou as paredes brancas do quarto, coçou o direito e reconheceu a estampa da fronha apesar das manchas da maquiagem. Tinha esquecido de fechar as cortinas e a claridade, impiedosa, invadiu o cômodo por volta das 3 da tarde. Tentou se espreguiçar, mas logo pôs as duas mãos na região das têmporas, que denunciavam o exagero etílico.

Depois de esforço sobre-humano foi se levantando, a bexiga a ponto de estourar. Com um pé chutou um copo vazio; o outro espetou no salto do sapato largado no meio do caminho do banheiro. Onde estará o outro? Fingiu se preocupar. Constatou que tinha conseguido tirar apenas a calca jeans antes de dormir e os botões da blusa preta haviam deixado marcas na pele. Nada comparado à mancha roxa esverdeada que enfeitava a canela e o ralado avermelhado nos joelhos.

Ainda desnorteada, saiu pela casa em busca de alguma explicação ou indício de habitantes, mas nada encontrou. Voltou ao quarto e sob a cama viu sua bolsa contendo o celular sem bateria, o rímel e a carteira de habilitação quase rasgando. Meu deus, será que eu voltei dirigindo? Achou também 3 reais amassados dentro de um pequeno zíper. Sem cigarro eu não fico, comemorou.

Estava se sentindo o próprio cinzeiro, com as roupas e o cabelo exalando aquele odor característico e àquela altura, nauseante. Sentou outra vez nos lençóis amarfanhados juntando energias. Conseguiu ligar o chuveiro e enquanto a água esquentava, resolveu abrir a torneira da pia e matar a sede ali mesmo; subir e descer escadas seria fatal naquela situação.

Descabelada, escovou os dentes tentando se livrar do gosto de corrimão que se instalara dentro da boca, em vão. A pele e o estômago expeliam cheiro de álcool 98%, dava pra acender uma churrasqueira apenas com uma baforada. Passou xampu 3 vezes e nada removia o alcatrão, a nicotina e os nos do seu cabelo. Devo ter imitado a Joelma do Calypso pra ficar com essa juba, não é possível. Mais tarde ficaria sabendo que a suspeita procedia.

Enrolou-se no roupão e enquanto o cabelo pingava e ensopava o tapete do banheiro, carregou o celular e leu, na caixa de saída, com a testa franzida, algumas mensagens de texto confusas, destinadas à única pessoa para quem não deveria ter mandado nada. Muito menos as 5:04 da manhã. Fazer o que? Conformou-se. Foi em busca de explicações sobre a noite anterior. Apesar do horário, ninguém estava acordado para dissolver o mistério, até que na última ligação teve sucesso.

Sim, a mensagem fora enviada indevidamente, porém o mais importante: não tinha voltado de carro. Prudentemente, pois sequer tinha ido de carro por falta de condições motoras e psíquicas. Isso explica o joelho e a canela... rolei mesmo a escada do prédio, é?, Perguntou incrédula a amiga. Seu estômago também não estava lá essas coisas naquela tarde. Escorou-se nas paredes para chegar ao armário de remédios e ingeriu um verdadeiro coquetel medicamentoso. Plasil pro enjôo, Neosaldina pra dor de cabeça, Epocler pra azia e um Pasalix para se acalmar do arrependimento do sms.

Uma solitária lata de cerveja, água gelada e uma cebola embrulhada em filme plástico compunham o triste cenário de sua geladeira. No congelador, forminhas de gelo vazias. Por sorte a concentração antes da noitada não tinha sido em sua casa ou o pandemônio ia estar elevado ao cubo. Abaixou-se para pegar o jornal na porta e a pressão baixou, fazendo-a ser vista pelo vizinho, naquele estado, no hall dos apartamentos.


Tentou ler algumas linhas, mas ainda não tinha dado tempo de sentir os efeitos da ciência farmacêutica. Encontrou o telefone sem fio debaixo da almofada do sofá, quis pedir comida em casa e só então pensou nos 3 reais restantes. Não se recordava da ultima vez que tinha posto algo sólido goela abaixo. Se não quisesse morrer de fome, teria de pegar o carro e passar o cartão de credito com limite já estourando.

Sem ainda conseguir pentear o cabelo, fez um rabo no alto da cabeça, tirou finalmente os brincos que insistia em usar apesar da alergia e fez não ter visto a maquiagem borrada escorrida, quase alcançando as bochechas. Inchada como um baiacu por causa do álcool, vestiu a calça mais larga e saiu com a feição digna de João Ubaldo Ribeiro nos tempos magnos de bebedeiras.

No restaurante, encontrou mais dois ou três amigos no mesmo estado que ela e tomou logo uma água e uma coca light bem gelada pra ver se melhorava. Após descobertas não tão boas a respeito das pessoas com quem tinham feito “amizade” na noite anterior, a situação de todos já não estava mais tão deprimente. Tanto que não dispensaram a porção de batatinha frita, o sanduíche com pastrami e tomate seco... Nem muito menos a sagrada cervejinha do final de domingo.

Monday, April 02, 2007

Fim da linha

Gostaria de cumprimentar pessoalmente o infeliz cidadão que proferiu - e, pior, difundiu - a teoria de que brasileiro adora uma fila. Deve ter sido o mesmo tipo de gente que assiste Jornal Nacional, só ouve desgraça sobre o País e depois comenta que nasceu no lugar errado, devia ser europeu. Ah, já eu, não. Me contento com Guarulhos, ou quem sabe com Vigário Geral... Voltando às filas, o que acontece mesmo é que brasileiro se acostumou com elas, o que é bem diferente. Acostumou com protocolos, a resolver uns pepinos no banco, a dar entrada na papelada toda do cartório. A chamada burocracia que ninguém sabe de verdade o que significa, muito menos eu.

Deve ter burocracia e filas em outras partes do mundo, quem já pediu visto para os EUA e depois tentou brincar na Splash Mountain num dia quente de julho sabe bem. Posto que haja filas em todo o mundo e que a diferença esteja apenas nos formadores das filas (os bancos, não. As pessoas), vamos nos conformar com o fato. Há, no entanto, quem lide melhor com as "bichas", como diriam os portugueses. O George Michael é talvez o mais notório deles. Ok, não teve graça.

É sério. Ao entrar resignado e pessimista numa fila, as chances de irritação são menores, acreditem. Em banheiro feminino de shopping aos sábados, calcule uns 5 minutos por cabeça com escova e note que você não vai se decepcionar tanto com a demora. Para homens o cálculo é, com folga, de 30 segundos. No caso de banco, analise a quantidade de papéis que a pessoa carrega, a idade (os idosos demoram sempre) e se demonstra impaciência. A mesma Lei de Murphy que faz a faixa de trânsito ao lado andar sempre mais rápido que a sua, colabora para que o mais impaciente seja atendido pelo funcionário mal-humorado e a desgraça está feita.

Não adianta reclamar, gente. Ai, mas só vão deixar 2 caixas abertos?, esse calor de matar, esse lugar não respeita os clientes, não volto mais aqui, psiu! Mocinhaaa, dá pra ser ou tá difícil?. Nada disso vai fazer a fila andar mais rápido. A menos que você precise enfrentar o INSS, enfie a mão no bolso e imagine que ganhou na megasena, juro que distrai. Deve ser por isso que o Brasil não vai pra frente, ninguém se mexe para mudar o fato, concordo. Mas ali, de pé, suando mais que lutador de sumô em Goiás, a última coisa que eu quero é ouvir resmungos do alheio.

Também não gosto de puxar papo. A situação por si só já é desagradável e eu realmente não preciso dividir minhas impressões do momento com um desconhecido. Não me interessa se ele ainda tem que ir a mais 3 bancos, se o filho está no carro esperando, se o shopping deveria dispor de mais caixas para pagar o estacionamento nem muito menos se a Zara resolveu vender camisetinhas a preço de banana. Lide com o fato por conta própria.

Depois que ouvi de uma pessoa muito próxima que eu parecia fazer questão de me mostrar entediada, passei a distribuir mais sorrisos a esmo e isso me causa prejuízos até hoje. Como num jogo da última Copa em que eu simplesmente parei no supermercado para comprar 2 caixas de cerveja e me dirigi ao caixa rápido - só 1 estava aberto. A senhora atrás de mim pôs-se a falar do Ronaldinho, da escalação equivocada do Parreira, do presunto Seara em promoção e de sua amiga que lhe esperava em casa.

Muitos aaah, huuuum, nossa, que coisa desta que vos escreve depois, a mulher criou intimidade. Enquanto eu guardava o troco na carteira e pedia para a caixa jogar a notinha no lixo, ela veio sorrateira me pedir para que eu a ajudasse a levar as coisas até o carro. Tá aqui pertinho, ó, é pouquinha coisa. Com mais uns 3 ou 4 clientes atrás, esperando para ver minha reação, dei talvez o sorriso mais falso de toda a minha carreira (eu sou atriz nas horas vagas) e concordei. Fui com as minhas compras e metade das dela em direção ao Corsa verde-musgo da usurpadora de jovens consumidoras de cerveja e bolinhas de amendoim.

Fila não é lugar de fazer amizade, mas as mocinhas mezzo ou totalmente bêbadas dos bares e clubes da cidade discordam de mim. Na realidade, até eu quando me encaixo no grupo das mezzo bêbadas discordo de mim mesma. Aqueles minutos esperando a sua vez para ir ao banheiro são, de fato, muito intensos. Uma segurando a porta da cabine para a outra, emprestando elásticos de cabelo, gloss e às vezes um ombro amigo em casos de decepção com o sexo oposto (juro que já me aconteceu!). Na hora da volta pra pista ninguém se lembra mais das comparsas de sanitário.

Pegar fila é como limpar banheiro. Horrível mas precisa fazer. Usando luva de borracha, o produto adequado e cantarolando a música certa, não é tão letal. Ficando quieto, paciente e não pegando a vez do outro, você está na fila certa.