Em minha opinião, seria importantíssimo que as pessoas tivessem seta, retrovisor, luz de freio e, principalmente, uma chave shift visível a toda a sociedade que nos indicasse DISPONIVEL OU INDISPONIVEL para outros seres. Os primeiros itens até poderiam ser opcionais, como vidro elétrico ou farol de milha; afinal, o máximo que nos pode acontecer é dar uma trombada, uma pisada no pé de outra pessoa ou ouvir algum impropério velado de algum pedestre por causa do pequeno acidente. Já a chave tem que ser obrigatória, igual encosto pra cabeça.
Você acordou atrasado, com torcicolo e – é claro – mal-humorado. Uma vez no saguão do seu trabalho, vê uma grande fila, apenas um elevador funcionando e aquele maleta das finanças com camisa laranja de viscose e sapato caramelo. Seu pescoço até destrava depois da guinada brusca de uns 150 graus na tentativa de desviar o olhar do sujeito. Em vão, claro. Ele te vê e não contente te pede para ajudá-lo com as dezenas de pastas que ele não consegue carregar.
Tal como um interruptor, desses de acender a luz, mesmo, a chave da tranqüilidade (vamos chamá-la assim por enquanto) indicaria se você está ou não disponível para ajudar; ou melhor, agüentar o Anderson, suas pastas, seu papo besta e seu hálito prejudicado ou não. Graças à chave virada para cima e uma discreta luz verde, o rapaz saberia que sua noite de sono (ou pelo menos na cama) foi gratificante e que seu estado de espírito lhe permite fazer companhia a você.
Caso estivesse acesa a luz vermelha, ou seja, a chave devidamente posicionada para baixo, nosso amigo lhe acenaria um tchau de longe (ou até quem sabe aquela balançada única com a cabeça que só os mais discretos fazem), lhe guardaria um lugar na fila do elevador e não esboçaria tentativa de comunicação com você ate o final do expediente. O contrario também é válido, vai que um dia o Anderson acorda rabugento depois de ter brigado com a Elaine da informática?
O mesmo principio é utilizado com criancinhas remelentas sempre presentes em jantares onde não são exatamente bem-vindas, com suas respectivas mães, que por falta de sensatez e por necessitarem de 10 curtos minutos de paz, oferecem seus pimpolhos a colos vazios como num leilão de jóias que passa nas madrugadas na televisão. Chave pra cima: ok, posso segurar seu filho por alguns instantes. Chave para baixo: não ouse aproximar este projeto de ser humano carente dos meus braços ou eu não respondo por meus atos. Tudo, é claro, sem verbalizações, mal-entendidos nem muito menos grosserias que às vezes nos vemos obrigados a cometer em busca de sossego.
Começaria utilizando a chave do sossego no modo vermelho todos os dias pela manha, pelo menos ao descer de elevador com outros moradores sonolentos e monossilábicos. Pense, você nunca mais iria ouvir “nossa, que tempo louco, não?”; “esse sindico não presta, o lixo do meu andar esta transbordando” ou ainda “você viu o que aconteceu com o filho do Medeiros, do 63? Chegou bêbado e raspou o carro na parede da garagem!”. Obra divina, não fosse a simplória tecnologia aplicada ao aparato. Uma simples e barata pilha AAA (aquela palito, do controle remoto) e sua paz de espírito esta garantida até segundo aviso.
Agora, naqueles dias em que acorda com o diabo no corpo, querendo beijar ate latrina de rodoviária, a chave também serve como radar. Você puxaria conversa apenas com as pessoas (ou quem sabe arvores, somos um blog moderno) cujas chaves estivessem com a luz verde acesa. E pronto. Se não chegar as vias de fato ou se descobrir que o alvo é mais chato que o Anderson aqui de cima, é só disfarçar e empurrar delicadamente a chavinha para baixo.
Alguém quer comprar a patente?
Monday, March 12, 2007
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4 comments:
hahaha...
nao precisa de patente. Essa é a merda de hoje. Vc simplesmente troca a chave para um botão, e pronto! Rouba a idéia genial de outro...
Se esse outro for subordinado a vc, nem precisa se dar ao trabalho.
Ótima solução silvinha... Mas eu desconfio q o Adelino, motoboy da empresa, não teria parsimônia ao ver a minha chave sempre para baixo. Desde qndo eles respeitam o sinal vermelho?
bjos
Seus textos e os comentários do fernando me dão orgulho !!!
Sil, genial. Dos melhores até hoje, se não o melhor. Parabéns!
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