Tuesday, March 31, 2009

O Amor nos Tempos de Vegetarianismo

Dizem que podemos encontrar nossa alma-gêmea, cara-metade ou qualquer outro nome de banda de pagode que sirva para definir o amor verdadeiro (a metade da laranja como diz o Fábio Sênior) em qualquer lugar.

Eu encontrei a minha num restaurante por quilo da rua Augusta. Vegetariano, devo dizer. Simples e arrumadinho, a comida gostosa, clima tranquilo e fui eu com a minha bandeja me servir. Olhei para frente e lá estava ele. 

Cenoura, alface, grão de bico, ricota, espinafre e spaghetti integral ao funghi. Ele parou a fila no spaghetti ao funghi e não se constrangeu em encher seu prato. Ele já tinha se tornado a minha alma-gêmea antes mesmo de se servir. Cabelo bonito, calça jeans, blazer de veludo marrom (e eu nem gosto de marrom!). Ele nem precisava ter colocado gelo no copo e alcançado uma lata de coca light no fundo da geladeira. Mas ele alcançou. 

A cada 'obrigado' que ele dizia aos funcionários eu tinha mais certeza. Era ele. Sábia canção do Fábio! Por coinciência sentamos em mesas diferentes, virados um de frente pro outro. Eu olhava sem graça, desviava o olhar como quem não quer dar bandeira. Na minha cabeça, quase formava a imagem do vestido de noiva, da cor do sofá da nossa casa, da raça do cachorro que compraríamos.

E entre esses olhares, essas imagens, veio o ponto alto. Empunhando garfo e faca ele, o amor da minha vida, fatiou o spaghetti com requintes de crueldade. Frio e calculista, como o Coronel Mostarda na sala de música com o Candelabro. E o grande amor que encontrei no restaurante foi pro vinagre. 

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais terá sido mera coincidência. 

Tuesday, March 17, 2009

Desencapetamento celular

Na impossibilidade de existir um famigerado Capitão Nascimento em cada esquina desse país, o medo entre os brasileiros vem crescendo em progressão aritmética (sabendo Deus apenas como se calcula isso).

Uns têm medo do BOPE e do Caveirão, outros do traficante, dos maconheiros discípulos de Bob Marley que podem invariavelmente ter um súbito de violência e agredir velhos na rua em busca de um pastel de feira no domingo de manhã.

Ainda deve haver gente com medo dos comunistas vermelhos comedores de criancinhas, da tríade Fidel-Hugo-Evo e, é claro, do Bush. Os tementes do poder do Satanás e todas as complicações que ele pode vir a causar estão lotando os templos sagrados administrados por Edir Macedo e adjacências.

Paúra, em italiano, aquele verdadeiro cagaço de ir buscar um copo d’água no escuro no meio da madrugada também existe. Medo desses Paulos Autran que esqueceram de morrer, de gente morta. Eu mesma tenho medo de célula morta.

Elas morrem todos os dias, aos montes, como uma faxina étnica. Um verdadeiro Holocausto silencioso. Para me prevenir, adquiri cremes esfoliantes de todas as sortes, cheiros e preços. Vou esfregando aquilo pelo corpo todo, até me confundo. Lembro da música que aprendi no Maternal: cabeça, ombro, joelho e pé. Joelho e pé. 

Ao final do processo, não sei se me livrei das células mortas ou se arranquei minha derme. Vale tudo na hora de exorcizar os demônios.